*Balthasar pensa morrer

Algumas vezes o que eu falo soa tão discurso pronto, que eu me pergunto onde ficam escondidas essas coisas dentro de mim.

Esquete do Young Freud

Dois personagens masculinos, um baixo e outro mais alto, conversam. O mais baixinho faz uma observação capciosa sobre algum ato comum (com tom sexual). E o mais alto responde: “Boa pergunta, Freud!”

Explicação: Freud deve ter se feito perguntas muito capciosas e audazes enquanto observava situações corriqueiras, o que deu origem às suas teorias.

(play na fita com as gargalhadas!)


Por 3 minutos eu fui David Lynch:

Na sala de casa com mais 7 pessoas - sendo 4 em estágio de consciência alterada, uma louca de carteirinha, a Lila e um recém-chegado ao grupo, e sendo eu ainda prisioneira de mim mesma – conversamos sobre feijoada. A louca disse que usa um copo de cachaça branca e um de suco de laranja no caldo do feijão pra incorporar sabores. O mais chato dos caras de consciência alterada diz que melhor seria a cachaça amarela, pois a branca evapora mais rápido. Os dois discutem um pouco a respeito, mas não é esse assunto que vinga. O problema começa mesmo quando chegamos às lingüiças:

A louca cita vários tipos de lingüiça, e por fim diz “lingüiça portuguesa”, etc. O chato diz “portuguesa, você fala toscana?” Sinto a treta pronta, porque a Lila é ‘italianista’ (ou como quer que se chame um especialista em cultura italiana) e ela balança negativamente a cabeça, enquanto a louca enfatiza que “portuguesa é portuguesa e toscana é da Itália” onde eu emendo que “é lá daquela região onde eles fabricam lingüiças e mafiosos” (pra soar Saturday Night Live ou Monty Phyton no meio da sala confusa). É quando uma dupla inicia uma conversa paralela sobre arroz piemontese (A dupla começa a trocar a receita). O chato que fala por um lado e escuta por outro, ouve “piemontese” e tenta uma tirada triunfal dizendo para a louca “portuguesa que você fala é piemontese?”

(Esse foi o exato momento em que eu perdi o Juízo)

Senti cada nuance do Juízo pegando a mala e o chapéu, e saindo porta afora.

As receitas se confundiram, as vozes se misturaram e a bagunça que criei na minha mente foi por demais poética, assim, digna de um daqueles conflitos internos que o Lynch cria, em que o personagem fica totalmente perdido e a câmera roda; são inseridos flashs do passado com impressão de transparência para salientar a figura do passado-fantasma; a graduação das luzes varia em pontos específicos e qualquer um perde a lucidez. Não esqueçamos os close-ups.

Infelizmente, ainda não inventaram um projetor de imagens mentais.

(pena.)


O motor da vida

Ontem à noite também entendi o que se passa, o que procuro sempre, no café, no cabaré e no Voltaire: entender como provocar um sentimento em outra pessoa ou como provocar um ato natural.

Falo física, empírica e teoricamente, o que me interessa é como um filme te faz chorar, como um cheiro te leva pro passado, como um olhar te faz acreditar que eu te amo.

É processo, a cor que se usa, a entonação da voz. É perder a paciência no momento certo.

É “aprender a ler o livro da vida”. É entender os sinais.

Apreendendo isso posso conduzir a vida pela linha que quiser, pois vou saber que processos escolher dependendo do resultado que quiser buscar.

[Porque eu me recuso a acreditar que há um deus ex-machina atrás de mim e eu fantoche.]

Sou eu quem diz que chove, e pronto!

[Agora vou lá descobrir como]


*(E de pensar, morreu Balthasar.)

O filme Ao Azar de Balthasar foi um point-plot na minha ficção pessoal. E o grande problema de Balthasar era ser um burro-bicho com sentimentos, sendo excluído - por ser bicho-e-burro - de qualquer decisão a respeito dele mesmo e dos que amava. E de tanto ver penar, sofria demais Balthasar, o burro-bicho. E ontem a profusão de pensamentos me fez pensar que morreria, e então me reconciliei com o Balthasar- bicho-burro dentro de mim, pra que ambos não acabássemos assim...

Fim.

5 comments:

Anonymous said...

Nossa consciência e razão são apenas testemunhas dos nossos sentidos - os quais obviamente não nos foi dada a chance de escolher, foram pré-determinados. Assim como Balthazar não pode sapatear nem escrever poemas, o homem, ao contrário, mesmo sem ter asas pode ir à lua, enxergar no escuro, respirar em baixo d'água, etc. No entanto ainda não conseguimos viver em harmonia e nos comunicar feito os golfinhos por exemplo. Já violentamos todas as espécies posssíveis do planeta, quer com a desculpa da ciência ou por causa de nosso instinto. Instinto + sentidos = consciência? Talvez. E é ai que chega então o buraco da agulha... Como podemos pertencer à mesma espécie e termos consciências tão distintas e opiniões opostas muitas e muitas vezes? Porque cada um é único? Penso que não é bem por isso.
- Boa noite senhores. Já escolheram seu pedido? Gostariam de experimentar o vinho da casa? A primeira taça é por nossa conta.
- mmm.. Acho que vou querer experimentar então.
- eu também.
- uma taça pra mim também..
- eu gostaria de uma água, por favor.
- amigo, vocês tem "maniçoba"?

INSERT: Mãos de criança apertando botões de um controle remoto.

- pardon monsieur?
(risos do grupo)
- palhaço esse lucas mesmo..
- eh.. il est fou, n'écoute pas.. c'est tout monsieur, merci.
- ...
- ...

- filha você acordou? dá o controle aqui.
- que filme é esse pai? oi Gigika.
- oi jadh!
- É a sua filha Glauz?
- é sim.
- linda ela.. Oi jadh.
- oi jadh..
- oi jadh.
(uma das pessoas do grupo que está com o baseado se levanta e vai até a janela e põe o braço para fora)
- que foi filha? agente tá falando alto é?
- Não é que eu tive pesadelo.
- Essa é clássica...
- ô Glauz.. vai lá com ela um pouco..
- o que sonhou filha?

* * *
INT/APARTAMENTO/NOITE (super resumo porque tenho que sair neste instante...)

Jadh (adulta) chega, liga a luz, termina com a garrafa d'água mineral, tira os sapados com os pés, abre a bolsa, tira um baseado, pega o controle remoto liga a tv de plasma, acende o baseado.

TV: ... O Golfinho é capaz de gerar som sob a forma de clicks, dentro dos seus sacos nasais, situados por detrás da nuca. A freqüência dos clicks é mais alta que a dos sons usados para comunicações e difere de espécie para espécie. A nuca toma a função de lente que foca o som num feixe que é projetado para frente do mamífero. Quando o som atinge um objeto, alguma da energia da forma de onda e refletida para o Golfinho. Aparentemente é o maxilar inferior que recebe o eco, e o tecido gorduroso que lhe precede, que o transmite ao ouvido médio e posteriormente ao cérebro. Recentemente foi sugerido que os dentes e os nervos dentários transmitiam informações adicionais ao cérebro dos Golfinhos. Assim que um eco é recebido, o Golfinho gera outro click. O lapso temporal entre os clicks permite ao Golfinho identificar a distância que o separa do objeto. Pela continuidade deste processo, o Golfinho consegue seguir objetos. Ele é capaz de o fazer num ambiente com ruído, é capaz de assobiar e ecoar ao mesmo tempo e podem ecoar diferentes objetos simultaneamente - fatores que fazem inveja a qualquer sonar humano.

Jadh troca o canal.

FIM

Anonymous said...

"Por onde eu começo? Do assunto a ser expressado? Da sensação? Começo duas vezes?"
"Criar não é deformar ou inventar pessoas ou coisas. É amarrar novas relações entre pessoas e coisas que existem, como elas são"

"Em 75% por cento das vezes o acaso nos governa. E nossa vontade é absorvida pela pré-destinação."

Robert Bresson

http://www.contracampo.com.br/68/agrandetestemunha.htm

Anonymous said...

"não se curve àquilo que julga tácito e fazes o que quiseres, pois é tudo da lei. da lei do que quiseres..."

Anonymous said...

é Baltha, o problema é que somos homens e não burros... mas concordo contigo.. o problema é a filosofia mesmo..

Anonymous said...

hahahahaha
dei pala de rir do momento em que vc se viu Lynch...
eu tbm tava nessa onda, e foi dificilimo falar sobre piamontese, mas nem tinha como não dar atenção pro único espírito infantil presente naquela sala neh?

mas aqui, o melhor foi o comentario paralelo entre a italianista e yo:
"that was so gay"
referindo-se ao nosso mais viril macho-correto-impecável-casadinho da estrela, quando este gargalhou entre a cachaça e a linguiça.
ótemo.