Comportamento nos Velórios, II

"[...] e , finalmente, é atacada por um terrível ataque de choro que obriga as vizinhas a levá-la à cama preparada para tais emergências, dar-lhe água de alfazema para cheirar e consolá-la, enquanto outras vizinhas tomam conta dos parentes próximos, subitamente contagiados pela crise. Durante certo tempo fica um montão de pessoas na porta da capela ardente, perguntas e notícias em voz baixa, dar de ombros por parte dos vizinhos. Esgotados por um esforço ao qual tiveram de dedicar-se a fundo, os parentes reduzem suas manifestações, nesse mesmo momento, minhas trêss primas em segundo grau desatam a chorar sem afetação, sem gritos, mas tão comovedoramente que os parentes e vizinhos sentem a emulação, compreendem que não é possível ficar assim descansando enquanto estranhos da outra quadra se afligem de tal maneira, e outra vez se unem à lamentação geral, outra vez têm de buscar lugar nas camas, abanar as velhas senhoras, afrouxar o cinto dos velhihos convulsos. Meus irmãos e eu habitualmente esperamos este momento para entrar na sala mortuária e colocar-nos junto ao caixão. Por incrível que pareça, estamos realmente aflitos, jamais podemos ouvir nossas irmãs chorarem sem que uma angústia infinita nos encha o peito e nos lembre fatos da infância, uns campos perto da Vila Albertina, um bonde que rangia ao entrar na curva da Rua General Rodríguez, em Banfield, coisas assim, sempre tão tristes. Basta ver as mãos cruzadas do defunto para que o choro nos deixe arrasados de repente, nos obrigue a cobrir o rosto, envergonhados, e somos cinco homens a chorar de verdade no velório, enquanto os parentes retêm desesperadamente a respiração para se igualarem a nós, percebendo que, custe o que custar, precisam provar que o velório é deles, que somente eles têm direito de chorar assim nessa casa. Mas são poucos, e mentem (disso sabemos por minha prima em segundo grau, a mais velha, o que nos dá forças). Em vão eles acumulam soluços e desmaios, inultilmente os vizinhos mais solidários os confortam com seus consolos e reflexões, levando-os e trazendo-os para que descansem e se reintreguem na luta. Meus pais e meu tio mais velho nos substituem agora, há algo que impõe respeito na dor desses velhos que vieram da Rua Humboldt, cinco quadras a contar da esquina, para velar o defunto. Os vizinhos mais coerentes começam a perder a paciência, largam os familiares para lá , vão até a cozinha beber bagaceira e fofocar; alguns parentes, extenuados por uma hora e meia de pranto ininterrupto, dormem profundamente. Nós nos revesamos em ordem, embora sem dar a impressão de nada preparado; sntes da seis hpras da manhã soms donos indiscutíveis do velório, a maioria dos vizihos já foi dormir em suas casas, os parentes jazem em diferentes posições e graus de inchação do rosto, a madrugada nasce no pátio. Nessa hora, minhas tias providenciam lanches reforçados na cozinha, tomamos café bem quente, olhamo-nos ardemente ao encontrarmos no vestíbulo ou nos quartos; teos algo de formigas que vão e vê, roçando as antenas ao passar. Quando chega o carro fúnebre as disposições estão todas tomadas, minhas irmãs evam os parentes para se despedirem do falecido antes d efechar o caixão, os sustentam e confortam enquanto minhas primas e meus irmãos vão se adiantando até desalojá-los, abreviar o último adeus e ficarem sozinhos junto do morto. exaustos, perdidos, compreendendo vagamente mas incapazes de reagir, os parentes se deixam levar e trazer, bebem qualquer coisa que se lhes chegue aos lábios, e respondem com vagos protestos inconscientes às carinhosas solicitações de minhas primas e irmãs. Quando chega a hora de partir e a casa está cheia de parentes e amigos, uma organização invisível mas sem erros decide esse movimento, o diretor da funerária acata as ordens de meu pai, a remoçaõ do esquife se faz de acordo com as indicações de meu tio mais velho. Uma vez ou outra os parentes chegados de última hora manifestam alguma reivindicação absurda; os vizinhos, convencidos de que tudo está correndo como deve ser, os olham escandalizados e os obrigama calar a boca. No primeiro carro se instalam meus pais e tios, meus irmãos sobem no segundo e minhas primas condescendem em aceitar algum dos parentes no terceiro, onde se inatalam embrulhadas em grandes encharpes pretas e roxas. O resto sobe onde pode, e há parentes que são obrigados a chamar um táxi. e se alguns, refrescados pela brisa matinal e pelo longo trajeto, tramam uma reconquista na necrópole, amarga é sua desilusão. Apenas chega o caixão à porta do cemitério, meus irmãos cercam o orador designado pela família ou pelos amigos do defunto, e que é facilmente reconhecível por sua cara de circunstância pelo rolo de papel que faz volume no bolso do paletó. Apertando-lhe as mãos, empapam-lhe a lapela de lágrimas, dão-lhes tapas nos ombros com um débil som de farinha de mandioca, e o orador não consegue impedir que meu tio mais moço suba à tribuna e abra os discursos com uma oração que é sempre um modelo de verdade e descrição. Leva três minutos, refere-se exclusivamente ao defunto, ressalta-lhe as virtudes e dá conta de seus defeitos, sem tirar humanidade a nada do que diz; está profundamente emocionado e ás vezes lhe custa acabar. Apenas desce, meu irmão mais velho ocupa a tribuna e se encarregade panegírico em nome da vizinhança, enquanto o vizinho designado para essa tarefa procura abrir caminho entre minhas primas e irmãs que choram dependeuradas em seu paletó. Um gesto quase afável mas imperioso de meu pai mobiliza o pessoal da funerária; o caixão começa a rodar suavemente e os oradores oficiais se postam ao pé da tribuna, olhando-se e espremendo os discursos em suas mãos úmidas. Geralmente não nos damos ao trabalho de acompanhar o defunto até o jazigo ou sepultura: fazemos meia volta e saímos todos juntos, comentando as ocorrências do velório. Vemos de longe como os parentes correm desesperados para segurar algumas cordas do esquife e brigam com os vizinhos, os quais, entretanto, tomaram conta das cordas e preferem segurá-las eles mesmo, em vez dos parentes."
Júlio Cortázar. Histórias de Cronópios e de Famas.

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